CEC volta ao Patrick White
Patrick White 6° VI A1 210m
Essa lendária via, no Irmão Maior do Leblon, foi conquistada em 1970, e passou
as últimas décadas com raríssimas repetições, devido às favelas, à falta de
informações, e talvez simplesmente por ter virado um mito. Quem quiser,
veja na croquiteca do CEC uns croquis dela e os comentários deixados.
Nossa 1ª investida foi em 06/05/12, sem grandes pretensões. Queríamos sentir a via, ter idéia da extensão, ver o estado dos grampos e a quantidade de vegetação que podia estar bloqueando a passagem.
Charão guiou o 1º diedro (Fócrates ) com alguma dificuldade, e fez a 1ª parada a 30 metros. Ao sair do chão já me impressionei com a dificuldade, e levei um bom tempo pra me acostumar com a técnica.
O 2º esticão ficou pra mim, e começava logo com a oposição do pesadelo. É uma oposição em diagonal pra esquerda, então o diedro fica sobre a cabeça e o ombro esquerdo, às vezes atrapalhando a “pega”. A sorte é que o camalot 3 fica perfeito, e pode ser realocado umas 3 vezes ao longo do lance. Depois desse trecho a fenda abre, e entrei em chaminé, como indicava o croqui. Demorei a me adaptar, e gastei muita energia. Pra mim foi o lance mais difícil e cansativo do dia. Saindo da fenda, o próximo grampo protege um lance de agarras, já que o diedrão some, reaparecendo poucos metros acima. Lindo lance! Começa em oposição, busca umas agarras à direita e só é resolvido com equilíbrio, terminando na base do 1º artificial, onde fizemos nossa 2ª parada. Nesse platô, além do grampo original, alguém fixou uma chapeleta com argola, que está com aparência de nova.
Charão me deixou guiar o próximo. Improvisei estribos e entrei no A1. Tranqüilo. Cheguei a um platô de pedra, onde começou o lance 3 em 1, muito bonito. Tesoura estreita no começo, depois mais 2 ou 3 técnicas pra completar. O grampo seguinte estava escondido no meio dos cipós, e as fendas também. Paramos 1 grampo acima do “platô cobiçado”, logo abaixo de uma árvore.
Voltamos à via no dia 20/5. Desta vez chegamos mais cedo, levamos mais água, só os camalots que usamos na outra investida, um par de estribos pros artificiais, e Cliff hangers, já que o Guia da Zona Sul dizia que o último artificial poderia estar fora de condições... Fomos com equipamento, confiança e disposição pra completar a via. Optamos por deixar os tênis e 1 mochila na base, e rapelar ao final.
Charão guiou o 1° esticão (oposição do Fócrates), e com a experiência da 1a investida foi muito melhor e mais rápido. Guiei o 2° (oposição do pesadelo, chaminé estreita e lance de equilíbrio em agarras) e Charão o 3° (1° artificial, lance 3 em 1, até o platô cobiçado). Todos com cerca de 30 metros cada, mas bem trabalhosos. Participando no 3° esticão, consegui fazer em livre o artificial, pela direita. Fica o projeto de conquistar esse trecho, que substituiria o A1 sem destoar do grau da via.
Entrei no 4° esticão guiando, colocando camalots. Logo depois do 1° grampo, usei o nº 3 e o 4. Depois do próximo grampo, veio o 2° artificial: 4 grampos de 1/4 ainda bons, com olhau pra baixo. O curioso é que alí tem diedro. Se não conquistaram em livre deve ser bem difícil mesmo... Mais um grampo de 1/2 antes de sair em livre. Alí um emaranhado de cipós me atrapalhou bastante! Fiz P4 no próximo grampo de 1/2 que encontrei. Tem 1 grampo do croqui que não achei.
O próximo trecho era um retão com o diedro mais aberto, onde não entrariam móveis. A grampeação era distante, e o croqui mostrava que 2 grampos seguidos haviam sido batidos após a conquista... Ou seja, a elite do CEC em 1970 já escalava muito mais que a gente... Com estilo e ousadia. Bom, fui seguindo como pude, de vagar, dava umas braçadas de oposição perto dos grampos, aproveitava ao máximo as agarras de pé, e logo entalava o cotovelo direito do diedro. E assim costurei os 3 grampos e começou a tal fissura 2001, um pouco mais longa e igualmente inviável de proteger. No meio do lance eu empaquei. Cotovelo direito entalado, sem agarra de pé, fenda estreita demais pra eu entrar... A solução seria fazer oposição, mas cadê coragem? Ensaiava o lance, mas voltava a me entalar. Era difícil até encher os pulmões naquele aperto, e a claustrofobia quase tomou conta. Cansado e com uns 7 metros de corda até a costura de baixo, resolvi continuar me arrastando, com 1 cotovelo e 1 pé entalados, até a fenda alargar. Ufa! Trechinho de chaminé, grampo de parada (lá dentro). Bem enferrujado, mas ainda bom, foi neste grampo que Chermont, Penacho e Zé Carlos pernoitaram na 6ª investida da conquista. Noite longa, que rendeu ao grampo o nome “Durma bem”. Ví 3 grampos do próximo artificial, mas não entendi o caminho deles. Assim chamei o Charão.
Eram 3 grampinhos de 1/4 bem prejudicados, em horizontal rumo à beirada do diedro (saíndo da chaminé), mas eles não tinham sequência. Não usamos. Desci um pouco pra esquerda, até conseguir ver a continuação do artificial (na vertical). Subindo em agarras/tesoura consegui colocar o estribo no 1°. Ficar com os pés no vazio, vendo a base bem na reta, 150 metros abaixo, me incomodou e demorei um pouco. Depois do 3° grampinho Salewa, entrou um camalot 3 pra completar o A1 e proteger minha saída em livre, pra um platô de mato. Era o "platô das maravilhas", havia terminado o diedro. Nos reunimos de novo por causa do atrito da corda no teto.
Mais um artificial: 4 grampinhos com o olhau tão pequeno que os mosquetões normais não entravam direito, ou quase não saíam. Passei a usar meus mosquetões nano, da Camp, nos estribos. Depois em livre, 1 grampo de 3/8, 2 grampos de 1/2 e correr pro cume! Nesse trecho final, mais de 15 metros sem grampo... Febre do cume, com certeza. Nos reunimos numa boa árvore, às 5 da tarde. Dalí rapelamos, vendo a rocinha toda iluminada.
Desta vez não levamos câmera...
Cheguei à base feliz por ter realizado um sonho. Um sonho não só meu, ou do Charão, mas compartilhado pela maioria dos escaladores do Rio. Realmente, foi um privilégio estar ali! Um grande clássico, de altíssima qualidade. Os conquistadores estavam à frente do seu tempo. Uns 40 anos à frente : )
Usamos: camalots 2 ao 4, repetindo o 3. Fez falta o nº 5 ou um big bro, pra fissura 2001.
1 corda de 60m, par de estribos.
Miguel Monteza
20/05/12