Pedra da Fantasia

Por caduspencer

43

Neste carnaval tive a oportunidade** de participar de uma excursão aos confins do Vale do Jequitinhonha no noroeste mineiro. Situada entre a caatinga e o cerrado, essa região é muito rica em montanhas, entremeadas por grandes pastos e estradas de chão.

Foram necessárias 15 horas de viagem para que eu, André Ilha e Alexandre “Sassá” Lorenzetto chegássemos ao pitoresco município de Itaobim, às margens da BR116, onde nos hospedamos em uma pousada relativamente razoável para os padrões que costumamos encontraram neste tipo de viagem.  

Após um intenso dia de exploração, correndo estradas de terra e transpondo incontáveis mata-burros, os quais, inúmeras vezes, representavam um verdadeiro desafio para o motorista, avistamos uma grande montanha que quase instantaneamente se tornou o nosso objetivo principal. Essa linda montanha, batizada por nós com o nome de Pedra da Fantasia, fica próxima a outros igualmente belos exemplares já subidos, a maioria pelo próprio André e amigos.

39 Boa Sore E Fantasia47

Logo em nosso primeiro dia de empreitada rumo à Pedra da Fantasia, quando saímos cedo, o destemido Sassá, na ânsia de chegar ao nosso destino, se distraiu, atirando o carro no 14º dos 25 mata-burros que teríamos que atravessar até chegarmos próximos à montanha (sim, contávamos os mata-burros e atribuíamos graus de dificuldade a cada um deles). Este pequeno incidente nos rendeu uma breve visita à oficina local, que poderia muito bem fazer parte do filme Mad Max ou qualquer outro filme que trate de representar o mundo após sua destruição total.

53 64

Tudo resolvido, um dia perdido e lá fomos nós para a montanha, devidamente alertas no caminho. Após algumas horas de caminhada, conseguimos com certa facilidade alcançar a beira da montanha. Fizemos alguns costões até chegarmos a uma confortável base, a partir da qual começamos a escalada por uma aresta feita em lances de agarras de 110 metros (50 m em móvel e o restante em grampos) que nos levou a um largo ombro, onde, debaixo de chuva fina, tivemos que atravessar uma caatinga desesperadoramente fechada. Essa tarefa inglória ficou a cargo do Ray Charles, singelo apelido dado ao facão do André. Ambos entraram em uma espécie de transe ininterrupto que só cessou após algumas horas, nos levando até base da torre principal da montanha, onde abandonamos nosso material para voltarmos mais leves no dia seguinte.

85101 B

91102 Cume (1)

Após uma noite bem dormida e 25 mata-burros cuidadosamente atravessados, estávamos de volta à parede. A torre possui um belo sistema de chaminés e fendas contínuo por 215 m até o cume! Todo este trecho foi escalado praticamente com uso de proteções móveis e algumas árvores. Apenas um grampo foi necessário para proteger a entrada do sistema de fendas, e dois no topo para nossa descida. O crux da via, próximo ao cume, é uma fenda de meio-corpo bem mais fácil do que parecia quando vista de baixo.

102 Cume (3)

102 Cume (10)


Já próximo ao por do sol, chegamos extasiados ao belo cume rochoso, de onde tivemos uma visão espetacular de toda a localidade e montanhas ao redor. Do cume, tivemos a real noção do quanto estávamos afastados da civilização, sensação muito boa. Seguindo o ritual, soltamos dois rojões que ecoaram por toda a região, anunciando a conquista de mais um belo cume virgem!

A nova via, batizada de "Mata-Burro" (4º V, 325 m), foi devidamente registrada no livro de cume. Descansamos um pouco e fizemos a descida por fora da chaminé batendo quatro grampos em mais duas paradas duplas, o que nos proporcionou três rapéis cheios até o ombro. Junto a uma árvore onde fizemos um dos últimos rapéis, uma pequena jararaca, moradora da montanha, se despediu cordialmente do Sassá. Chegamos à pousada depois da meia-noite, felizes e exaustos, com a sensação de dever cumprido.

102 Cume (26)

102 Cume (16)

Essa conquista, que durou dois dias cheios de aventura, fez nossa cabeça. Tivemos muita sorte com o sol, geralmente implacável nesta época do ano. Antes de voltarmos para o Rio, ainda fizemos mais algumas andanças pela região e adjacências para quem sabe, voltarmos para uma próxima aventura.

19 94

Mesmo que a grande maioria dos cumes já tenha sido conquistada, muitas montanhas possuem um imenso potencial para abertura de novas vias de escalada. Grande parte das paredes possui canaletas fantásticas que conferem uma textura muito bacana para as rochas da região. Para qualquer escalador que esteja rodando o local, fica difícil não parar o carro para ficar babando a frente de uma parede, imaginando uma possível linha de via. Coisas que só quem escala entende... Além disso, como muitas montanhas têm acesso por caminhada até o cume, não é difícil imaginar a enorme quantidade de caminhadas e travessias que podem ser realizadas por lá.


102 Cume (27)

** entende-se por oportunidade o “salvo-conduto” dado por minha esposa (assim como as dos meus companheiros de excursão) para essa aventura durante o período de carnaval. Vale ressaltar que essa liberação é fruto - e reconhecimento - de um comportamento exemplar dos três escaladores durante todo o ano. Valeu Carol, Cris e Gali!!

Feed RSS

Assinar

Categorias

Tags

Últimos posts