Três Pontões de Afonso Cláudio

Por gustavosoares

TRÊS PONTÔES DE AFONSO CLÁUDIO (Alt. 1.220 m)

Local: Município de Afonso Cláudio – Estado do Espírito Santo. Itinerário: Rio-Alegre-Afonso Cláudio-Pontões-Afonso Cláudio-Vitória-Rio. Datas: Dias 11 a 19 de Julho de 1958. Guias: Hamilton Firme Maciel, Drahomir Vrbas, Patrick David White e Ricardo Batalha Menescal. Tipos: Pedestre – Escalada de 4º Grau. Horários: V. Relatório. Participantes: Hamilton Firme Maciel, Drahomir Vrbas, Patrick David White e Ricardo Batalha Menescal.

Relato de Ricardo Menescal

Os pontões de Afonso Cláudio, pelo isolamento da região, tornaram-se um objetivo meio misterioso e cercado de dúvidas. Alguns lhes haviam visto em fotografias de muito longe e tudo mais carecia de informações.

Em março do ano passado, quando de passagem por Vitória, ocorreu-me conhecer a montanha, vista de avião. Um amigo, instrutor do aeroclube local, Rômulo Finamoro Filho, apresentou-se a colaborar comigo, proporcionando-me uma minuciosa exploração aérea durante a qual foram batidas diversas chapas.

Somente agora surgiu a oportunidade de juntarmos um grupo que, contando com a presença de Drahomir Vrbas (Jimmy), Hamilton Maciel e Orlando Lacorte, assegurava, de antemão, o pleno êxito esperado. O último teve um impedimento, sendo substituído à altura por Patrick White.

Na ocasião, em Alegre, o clube excursionista local festejava o seu terceiro aniversário o que, juntamente com a comemoração do Jubileu de Prata da primeira escalada ao Pico da Bandeira por uma entidade esportiva, propiciou a organização de vários festejos.

O grupo, acrescido de Olga Menescal e Astrid Ullup, desviou-se do seu itinerário para levar ao Centro Excursionista Pico da Bandeira e ao guia de 25 anos atrás, Hugo Bluze, o cordial abraço do Clube Excursionista Carioca, dedicando-lhes a conquista que seria tentada.

Passando de Alegre para Afonso Cláudio, dia 13 ali chegamos já à noite, após uma viagem por "caminhos carroçáveis" em que foi posta à prova a bravura de nossa caminhoneta.

Na cidade avistamo-nos com o Prefeito, Dr. João Eutrópio, que juntamente com sua senhora nos proporcionou inúmeras amabilidades, mui especialmente às nossas companheiras que ficaram na cidade.

No dia seguinte, ainda cedo, partimos, acompanhados de um cicerone local, para uma fazendola na base da montanha (550 m). Seu proprietário solicitamente levou-nos até um local que achamos ideal para o acampamento base (950 m), transportando num animal todo o equipamento.

Nesse mesmo dia fizemos nosso primeiro contacto com a montanha atingindo o paredão iniciale conquistando o primeiro lance. Voltamos à base para buscar um tronco de árvore que seria de imensa utilidade.

No dia seguinta, ainda cedo, atingimos o lance preparado na véspera e continuamos galgando paredões e chaminés até atingirmos a altura em que a montanha se divide em quatro pontões e não três, como julgam os moradores locais. Ali ficamos, Jimmy e eu, encarregados de levar montanha acima o tronco, enquanto Pat e Hamilton seguiam em exploração, penetrando o colo formado pelo pontão maior e o menor (Diabinho, o mais difícil) em busca de um acesso pelo outro lado.

Algum tempo depois ouvimos nos chamarem de outra garganta, entre o mais alto e o segundo, Pat e Hamilton, após diversos lances, haviam atingido a base de uma chaminé que corta o pontão maior de lado a lado. Seria essa a única via de acesso possível ao cume.

Seguimos todos para essa base "guindando" o tronco pesado e incômodo em certas posições perigosas. A chaminé grande nos surpreendeu: em toda a nossa vasta experiência excursionista, acumulada durante longos anos de prática do esporte, nunca havíamos deparado com uma chaminé tão extensa, vasada de ambos os lados, sem nenhum descanso intermediário. Avaliamo-la em 45 metros, ou seja, a altura de um edifício de quinze andares. A maior do gênero (lance livre) que conhecíamos até então era a da Agulha do Diabo, com 18 metros.

O adiantado da hora e o cansaço não nos animavam. Começou o inevitável "Jogo de Empurra":

- Ninguém se anima?

Após algum descanso, Pat iniciou os primeiros quinze metros de rala-costas, no fim dos quais começou a preparar o orifício para colocação deum grampo. Decorrido algum tempo Jimmy subiu para substituí-lo, terminando a cravação do primeiro “grampo de expansão” (13:00 hs).

Jimmy, até então na retaguarda, mostrou ser o escalador de fibra e resistência de que sempre ouvíramos falar. Prosseguindo à frente, ainda colocou mais dois grampos (13:30 e 15:50), sendo o último a um espaço de mais de vinte metros do primeiro. Só a falta de um quarto grampo obrigou-o a voltar. Retornamos exaustos ao acampamento.

Dia 16 - Tempo nublado e ameaçador. Apreensivos, subimos à base da chaminé auxiliados por noventa metros de cordas fixas, estendidas nos paredões iniciais. Às 10:00 h atingimos a chaminé.

Novamente Jimmy atirou-se à luta como "cão raivoso". Hamilton seguia-lhe pouco atrás para manobrar a corda de segurança. Após meia horade ansiedade ouvimos a notícia da colocação de mais um grampo e, pouco depois, Hamilton, pondo fim a um suspense enervante, nos gritou que Jimmy vencera a chaminé: num movimento de audácia, pulara da posição de uma perna de cada lado da chaminé para cima do platô, idêntico à unha da Agulha do Diabo. Hamilton, Pat, o tronco e finalmente eu, chegamos a esse platô.

A derradeira etapa em direção à meta final foi a colocação do tronco da unha para o pontão, por sobre a chaminé, destarte servindo de ponte por onde Pat atravessou o vazio de aproximadamente 3 metros da chaminé galgando o cumedo maior dos três pontões de Afonso Cláudio. Eram exatamente 12:00 horas do dia 16 de julho de 1958.

De baixo, ouvimos vários tiros dos colonos que já nos acompanhavam com vivo interesse. Por feliz coincidência, vinha chegando à base o Prefeito trazendo em seu carro Olga e Astrid que confessaram grande emoção ao avistarem, de longe, uma bandeirinha tremulando e, logo abaixo, quatro vultos que tinham aos seus pés uma das mais belas montanhas do nosso país.

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