Via Leste (4° V A1 E3 D4, 700m), Pico Maior de Salinas. 31/12/2013

Por daniel.dandrada

Por Daniel d'Andrada

Primeira vez que vou a Salinas. Depois de revesar a guiada na via Bode da Tarde (morro do Gato) com o Gabriel foi a vez de encarar o grande clássico da região: a via Leste do Pico Maior. Mas claro que, se tratando de uma escalada de "gente grande", fomos como participantes apenas.

As cordadas foram Charão (guia) com o Gabriel e Adriano (guia) comigo.

Saímos da pousada do Nelsinho às 06:00 da manhã e subimos até o abrigo do Mascarin no carro 4x4 do Adriano. Já evitamos assim uma tediosa caminhada por estrada de terra (bem acidentada, só para veículos fora-de-estrada) e ganhamos tempo. De lá começamos a trilha. Pouco depois da trilha entrar na mata fechada ela passa por um pequeno rio, um excelente ponto para pegar água potável (se tiver que subir a estrada até o Mascarin a pé e não quiser levar o peso da água nesse trecho).

Chegando na base da via, Charão foi o primeiro a começar a escalada e fez "à francesa" (em simultâneo) até a primeira chaminé, apesar da compreensível e visível tensão do Gabriel que nunca havia escalado dessa maneira. Adriano foi logo atrás do Gabriel e decidiu, pra minha felicidade, por não fazer à francesa depois de ver a tensão do Gabriel e também a fim de evitar o arrasto da corda, já que a via é bem sinuosa. Pra compensar essa "desvantagem" eu escalava o mais rápido que podia, chegando nas paradas sempre muito ofegante e por vezes levando braçadas de corda na mão. Realmente essa primeira parte tem os trechos mais fáceis da escalada. Mas ainda assim não gostaria de ter ido à francesa (ainda mais com os trechos de aderência do começo).

Img 6597

Na base da chaminé fiquei fotografando o Adriano subindo, já que o primeiro grampo é beeeem alto. Ele deixou sua mochila no primeiro platô da chaminé. Quando subi e passei por ela ele jogou lá de cima uma volta de corda onde eu prendi ambas as mochilas (a minha e a dele) para ele rebocar até a parada. Assim também poderia subir sem mochila. Isso não foi por causa da chaminé em si, mas sim por causa do trecho entre o final dela e a parada. A saída da chaminé é bem diferente e interessante. Você meio que pula pra a sua parede esquerda que no final fica cheia de grandes o boas agarras, fazendo uma transição direta de técnica de chaminé para parede de agarras. Logo após essa transição descosturei um grampo e foi aí que percebi que a corda agora ia numa diagonal para baixo, seguindo a parede. Um nível de exposição surpreendente para o participante. Talvez eu tenha subido demais (ou demorado para descer durante a horizontal) nesse trecho. E é nessa diagonal que faz uma boa diferença estar sem mochila. Lembrou o "lance do Waldema" da Baden Powel (só que mais longo e fácil).

Img 6598

Entre a primeira e a segunda chaminé fica um trecho com movimentos interessantes de 4 grau. O Adriano tocou pra cima demais e se perdeu da via, que depois de subir uns metros vai para a esquerda. Ele foi parar num nut abandonado (e bem preso) numa fenda por algum outro guia perdido. Já estava até com o cabo um pouco enferrujado. Costurado o "nut dos perdidos" ele então fez uma grande horizontal para voltar para a via (não antes de praguejar um bocado). Quando cheguei nele depois, tentei tirá-lo mas realmente o bicho estava bem preso.

Img 6608

A segunda chaminé é bem legal e bonita por ser longa e constante. É também um pouco mais difícil que a primeira. Achei interessante que você pode escolher o tamanho de chaminé que mais lhe agrada para escalar: Ela é funda e vai ficando mais apertada quanto mais pra dentro dela você for. Depois dela tem uns lances meio em tesoura que levam para uma mini caverna bem curiosa. Dela se parte para um pequeno trecho em artificial. Depois disso já se está bem próximo ao cume. Paramos até pra tirar umas fotos. Ficamos bem animados com a perspectiva concreta e próxima da conclusão bem sucedida da escalada.

Img 6611

Img 6614

No final do penúltimo esticão tem uma curta diagonal em artifical que é um 5.o grau se feito em livre. Trecho bem interessante que eu pretendia fazer em livre mesmo. Mas nessa altura do campeonato eu já estava tão cansado e querendo terminar logo que fiz em artificial mesmo e ainda caí na saída dele.

O último esticão é bem fácil, só alegria. Mas para apimentar o Adriano ainda pôs dois móveis numa fenda horizontal para fazer uma costura "a prova de bomba" e tocou direto pra cima (ao invés de continuar uma diagonal até a parada final), inventando assim (imagino eu) uma variante para o final desse esticão que ficou bem legal, pois é vertical com uns mega agarrões para você fazer meio que em oposição lateral, sei lá. Gostei.

Chegamos no cume com o Sol ainda bem alto. Não sei ao certo (estava sem celular para ver a hora), mas deve ter levado umas 8 horas de subida (trilha e escalada). Umas rápidas fotos e lanche e já fomos procurar o rapel pois não encontramos a cordada do Charão com o Gabriel. Eles já haviam partido. Encontramos uma via mas como não tínhamos certeza se era a certa para descer (Adriano não reconheceu seu início, apesar dela ter uma sólida e convidativa parada dupla) resolvemos descer mesmo pela Leste. Que é ruim para descer mas pelo menos a conhecíamos. Foi aí que começou a parte de mais "aventura" da escalada.

Img 6619

Img 6624

Img 6620   Img 6622

Img 6623

Img 6625   Img 6629

A maior parte do rapel foi durante a noite. E foi uma noite sem lua e parcialmente nublada (nuvens iam e vinham, de vez em quando chuviscava). Foi uma combinação perfeita: via sinuosa e com grampos bem espaçados numa noite escura. Em toda parada que chegávamos vislumbrávamos a opção de dormir por lá caso não encontrássemos os grampos do rapel seguinte. "Opa, que platozão! Aqui dá uma dormida boa!" Muitas vezes tínhamos que rapelar de um grampo só. E os grampos são velhos e com o olhal pra baixo. Uma vez conseguimos fazer um backup laçando um bico de pedra ao lado com uma fita (que foi abandonada). Enquanto o Adriano rapelava eu ficava em pé na parede para não colocar também o meu peso no grampo do rapel. E durante o rapel tentávamos "desescalar" ao máximo também para aliviar mais ainda o peso. Esse era o nível de confiança que tínhamos nesses grampos da Leste. E engraçado que na escalada se confia que ele vão suportar uma enorme queda de guia. Acho que é porque quem guia a Leste vê os grampos apenas como orientação, não como proteção. E ainda fiz um rapel numa pequena árvore de platô de mato (Adriano passou direto por ela, apenas costurando-a, pois desceu esse trecho num híbrido de rapel com descida "de baldinho", descendo então mais da metade da corda). Era engraçado que, tamanha era a dificuldade de achar os grampos que toda vez que o Adriano, durante seu rapel, achava um grampo ele comemorava ("Achei um grampo!!!"). Nas paradas, enquanto esperava Adriano descer, via aqui e ali fogos de artifício estourando. Afinal, era a última noite do ano.

Finalmente chegamos na base via. Rapidamente guardamos tudo começamos a descida da trilha. Era um inferno verde. Zilhões dos mais variados insetos eram atraídos por nossas lanternas de cabeça e iam direto pra minha cara. De vez em quando um entrava no nariz. Então o ritmo da descida era ainda mais forte. Descemos a trilha bem rápido. Paramos apenas no riacho para beber água, pois a nossa havia acabado há algum tempo (cada um levou um litro e meio). Foi uma grande alegria chegar no carro. Quando Adriano deu a partida o relógio do carro acendeu e marcava algo como 11:55pm. Adriano dirigiu ladeira abaixo como se estivesse num rally. Chegamos na pousada com todos na frente, champanhe e taças na mão, fazendo a contagem regressiva para 2014 (com direito a esposa emocionada, após um dia de preocupação com o marido perdido). Chegada melhor impossível.

Feed RSS

Assinar

Categorias

Tags

Últimos posts